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Cinco e quarenta e cinco


Era fim de tarde.

Era fim de tarde e durou para sempre.

Foi o entardecer mais longo dos últimos cinco anos (ou mais). Custei a acreditar. Passei umas duas horas tentando ferver água pro café, me perdia na quantia, coloquei açúcar sem querer, pra ver se resolvia e adoçava a vida. Transbordava. O copo quase trincou uma porção de vezes e depois as poucas bolhas que formaram, brincavam tirando minha atenção. Andava de um lado pro outro, olhava para o relógio como se estivesse perdendo hora, como se estivesse perdida na vida. Naquele momento percebi que não estava em mim, mas vagava longe, quase que meus pés não tocavam o chão.


Me chamaram pelo nome duas vezes. O telefone tocou, demorei para atender. Estava tudo meio soando como um grito no vácuo. Olhava pro lado de fora da janela, que tinha mais ou menos o meu tamanho. Recordo-me de quando nós nos perdíamos rindo e você dizendo que eu era pequena e caberia em qualquer canto. Será que por isso cabia em você?


Esbocei um sorriso. Lembrei da sua voz, de como me tiraria do sério e também não faríamos o café, nem lembraríamos de café, nem da água ou de fervê-la. Não lembraríamos de qualquer coisa a não ser um ao outro e ali. Nem contaria as horas ou repararíamos na cor do céu.


A luz entrava pela abertura e a segui. Encostei em suas beiradas e podia ver o telhado à frente. Ouvia o barulho de chuva, sentia seus respingos, até mesmo olhara diversas vezes a água escorrer. Percorria pelos cantos até chegar ao chão. Mas fazia sol. Será que chove aqui dentro? Fechei os olhos e a barulheira só aumentava. Pude perceber que quanto mais ficava em mim, mais aquele murmuro aumentava e quanto mais eu abria os olhos, alguma coisa por dentro remexia.


Era uma inquietude que vinha de dentro e invadia tudo ao meu redor. Aquilo me tomou tanto, que certo momento não conseguia mais organizar meus pensamentos. Feito cega fui tateando pra não enxergar a realidade. Quase perdi o caminho e me desencontrei. Ranhuras, esboços, papéis amassados com inúmeras confissões, que foram jogados num canto. Quase me perdi e por pouco tudo não escureceu. Era só a chuva que me assustava, mesmo sabendo que passaria. Era só a chuva e hora ou outra o tempo abre.


Me vi nesse silêncio quase egoísta de quem tem muito à dizer e pouco diz, só estava ali, encostada numa janela que não deixava a luz entrar, já cansada demais de viver na superfície. Já sem esperança nenhuma, desço as cortinas, ligo o fogo e conto até três.


Um, dois, três copos d’água.


Era só começar tudo outra vez, eram só cinco e quarenta e cinco da tarde. Ainda dava tempo de fazer o café, ainda dava tempo de voltar à viver. Era só olhar pra frente, era só esquecer você.


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